quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

“Pioneirismo pode matar”, afirma Jim Collins


Em seu novo livro, Jim Collins, autor de Feitas para Durar explica por que algumas companhias triunfam em meio ao caos – e derruba o mito de que a inovação é a garantia do sucesso de qualquer companhia

Jim Collins: “Você prefere ter um chefe legal e um trabalho medíocre ou trabalhar para alguém exigente e participar de algo que fará história?”

Há 90 anos duas equipes de desbravadores partiram em expedições rumo ao então inexplorado Polo Sul. Uma delas era liderada pelo norueguês Roald Amundsen, na época com 39 anos. A outra, pelo britânico Robert Scott, com 43. Amundsen era obstinado e detalhista.
Sua preparação para a viagem foi exaustiva. O vaidoso e já célebre Scott era um improvisador. Amundsen venceu a neve, a baixa temperatura e um longo trajeto desconhecido até chegar ao destino final — voltando, depois, ao ponto de partida com sua equipe intacta. Scott e seu grupo tiveram um destino trágico.
Alcançaram o Polo Sul 34 dias depois dos noruegueses e jamais retornaram — os cinco integrantes morreram no caminho de volta. Por que uma das expedições triunfou e outra foi devastada se ambas encararam as mesmas adversidades? 

Para o americano Jim Collins, autor dos clássicos Feitas para Durar e Feitas para Vencer e considerado hoje o mais influente pensador do mundo dos negócios, a resposta para essa questão explica não apenas o sucesso de Amundsen e o fracasso de Scott.
No recém-lançado Great by Choice (com publicação no Brasil prevista para março de 2012 pela HSM), Collins se vale da história dos exploradores para explicar o desempenho excepcional de sete companhias abertas, americanas, que atuavam em mercados turbulentos ou altamente imprevisíveis no período de 1971 a 2002 e que deixaram as concorrentes para trás.
Essas companhias — Intel e Southwest Airlines entre elas — foram batizadas de 10X, por ter apresentado um resultado pelo menos dez vezes melhor que a média do mercado em que atuavam. De seu “laboratório”, um pequeno escritório instalado na cidade de Boulder, com vista para as montanhas do Colorado, Collins concedeu a seguinte entrevista exclusiva a EXAME.

EXAME - Caos e imprevisibilidade são fatores que sempre afetaram o mundo dos negócios. Por que estudá-los somente agora?

Essa pergunta sempre esteve na minha cabeça, mas eu não conseguiria ter feito esse livro sem antes ter passado pelos outros dois (Feitas para Vencer e Feitas para Durar). Além disso, nos Estados Unidos, essa questão nunca foi tão premente.
Nós, americanos, sempre vivemos num ambiente relativamente estável. Mas caos e incertezas deverão ser a regra daqui para a frente, e precisamos aprender a lidar com isso.

EXAME - Seu livro traz a ideia de que as empresas excepcionais são extremamente disciplinadas, buscando a consistência em vez de grandes tacadas pontuais. Há algo de entediante nessas companhias?

(Risos.) Em algum grau, sim. Para fazer algo grandioso — uma empresa, um produto, uma pintura, uma sinfonia — é preciso se dedicar à execução, à repetição exaustiva, até que se chegue a um resultado final excelente.
Empresas como Apple e Intel se dedicam de maneira fanática a desenvolver bons produtos. É preciso decidir se sua criatividade será produtiva. Se a escolha for sim, há um pedágio a pagar. É necessário um tremendo esforço.

EXAME -  Isso quer dizer que a inovação é algo superestimado?

O que descobrimos é que ser mais e mais inovador não leva a grandes resultados e pode até matar. Inovação é muito bom, é algo de que a economia e a sociedade precisam, mas ela sozinha pode ser fatal.
É preciso um nível mínimo de inovação em qualquer indústria. Em casos como biotecnologia, por exemplo, essa barra é muito alta; em companhias aéreas, não é preciso tanto para estar no jogo. Uma vez que a empresa segue o ritmo de inovação de seu setor, o que vai realmente fazer a diferença é uma combinação de disciplina e criatividade.

EXAME - Mas não há um prêmio em ser pioneiro?

Citamos no livro um estudo feito por outros pesquisadores com 66 mercados diferentes — de fabricantes de chiclete a empresas de internet. Apenas 9% das companhias pioneiras se tornaram líderes desses mercados. A parte mais assustadora é que 64% das pioneiras simplesmente sumiram do mapa.
Um caso interessante é o da Southwest Airlines. As pessoas tendem a achar que os pioneiros vencem. Como a Southwest venceu, logo ela deve ser inovadora. Só que ela não inovou em nada!
A Southwest copiou tudo da PSA, a verdadeira inovadora, que atuava na Califórnia. Ser criativo não é difícil. Esse é nosso estado natural. O que nós não somos, necessariamente, é disciplinados. Combinar as duas coisas não é tão sexy assim. 

EXAME -  Que outros mitos o livro derruba?

Vários. Um dos que eu achei mais interessante diz respeito à velocidade de ação das empresas vencedoras. À primeira vista, pode parecer que, num mundo rápido, reagir na mesma velocidade é a melhor saída.
Mas, quando analisamos 115 eventos que alteraram rapidamente o ambiente em que estavam as companhias analisadas, percebemos que as com melhores resultados não foram aquelas que reagiram primeiro a essas transformações.
Quem se deu melhor normalmente fez as seguintes perguntas: Quanto tempo temos para tomar uma decisão? De que informações dispomos? Só então elas partiam para a ação. A psicologia social nos mostra que a maioria das pessoas, quando em dúvida, tende a agir como aquelas que estão a seu redor.
Elas simplesmente olham para o lado e fazem o que os outros estão fazendo. Os líderes das empresas vencedoras, não. Eles fazem análises profundas, avaliam experiências anteriores e basicamente não ligam para o que os outros dizem.
Essas empresas só pisam fundo no acelerador quando é realmente necessário. Foi o que a Intel fez quando se sentiu ameaçada por um novo microprocessador da Motorola anos atrás.
A Intel destacou uma equipe de seis executivos para analisar profundamente a situação e em uma semana um plano de recuperação foi colocado em prática. A habilidade de se distanciar do problema, refletir sobre ele e só depois partir para a ação é uma característica pouco americana.

EXAME - Como fazer planejamento de longo prazo num ambiente caótico?

É quase impossível fazer planos, mas é possível se preparar. Não achamos nenhuma evidência de que as empresas que se deram melhor conseguiram prever o futuro. Mas elas tinham estratégias de contingência para o inesperado. Eram financeiramente conservadoras e sempre tinham mais dinheiro em caixa que as concorrentes.
Essas empresas também fazem o que chamo de “marcha das 20 milhas”: elas se comprometem a manter determinado ritmo e o seguem fielmente. Veja o caso da South­west Airlines, que tem entre seus compromissos ser lucrativa todos os anos, algo muito difícil no setor de aviação civil.
Em 1996, a Southwest estava em 100 cidades, tudo corria bem e sua expansão estava sendo planejada. Seus executivos então se perguntaram quantas novas cidades eles poderiam atender sem colocar em risco a estratégia das 20 milhas. Decidiram que seriam apenas quatro, embora tivessem condições de inaugurar oito ou 12 novos mercados.
Acharam que a aceleração poderia deixá-los vulneráveis. Bem, todos nós sabemos o que aconteceu em setembro de 2001. Todas as companhias aéreas americanas foram profundamente abaladas — menos a Southwest. Ela não tinha como prever o que aconteceria, mas estava preparada para o pior.

EXAME - Os líderes das empresas destacados no livro são obcecados, paranoicos e eternamente insatisfeitos. Trabalhar com eles não deve ser nada agradável...

Você prefere ter um chefe legal e um trabalho medíocre ou trabalhar para alguém exigente e participar de algo que faz história? Cito no livro o diretor David Breshears, que fez o primeiro filme sobre o Everest em versão Imax. Eu o conheço há muitos anos e ele definitivamente não é um sujeito “relax”.
Mas, quando ele monta seu time para filmar, consegue as melhores pessoas. Por quê? Primeiro, porque os membros de seu time sabem que ele fará o melhor filme possível, e eles querem fazer parte de um grande projeto. Bill Gates é o mesmo caso. Ele não é o sujeito mais caloroso e engraçado do mundo, mas sempre acreditou num grande projeto: a Microsoft.
A vaidade desses líderes está relacionada ao projeto que conduzem, não a eles próprios. A segunda razão é: para enfrentar um ambiente hostil, com quem você gostaria de estar?
Com alguém que realmente entende a montanha, como Breshears, e sabe sobreviver ali, mesmo que tenha de tomar decisões difíceis, ou com um cara boa praça que diga: “Olha pessoal, a gente vai se divertir aqui em cima, teremos várias festas, uma mesa de pingue-pongue...” O que você quer é voltar da expedição ao Everest vivo! 

EXAME - Mas, apesar de toda preparação, esses líderes cometem erros. Como eles lidam com essas situações?

Uma das coisas que eu pessoalmente tirei desse estudo é que você pode cometer erros e, desde que não chegue à linha de morte, pode voltar e se dar bem. Foi o que a Progressive Insurances fez quando entrou no mercado de seguros para caminhões (antes, só fazia seguros de automóveis).
Ao perceber a bobagem, a empresa parou tudo, analisou o que deu errado e o próprio presidente assumiu a responsabilidade. O que esses executivos não fazem é repetir o mesmo tipo de erro.

EXAME - As empresas vencedoras pagam melhor seus executivos?

Não, às vezes até menos. O presidente da Biomet, Dane Miller, por exemplo, tinha uma das piores remunerações do setor e ele não estava nem aí. Para os líderes que aparecem no livro, dinheiro nunca foi o principal. É claro que eles tinham a preocupação de ter uma segurança financeira, mas não acordavam de manhã pensando em como iriam ganhar mais dinheiro.

EXAME - Segurar o crescimento hoje para não colocar o amanhã em risco é algo que nem sempre o mercado de ações entende. Como lidar com essa pressão?

O livro traz a história de Peter Lewis, presidente da Progressive Insurance, que não queria participar do jogo de Wall Street ao dar projeções de resultados trimestrais. Com isso, os analistas tinham dificuldade de fazer suas próprias previsões e frequentemente erravam, fazendo com que as ações da empresa oscilassem muito.
Lewis, então, teve a ideia de divulgar resultados mensais — em vez de trimestrais — e, desse modo, os analistas tiveram como fazer previsões mais certeiras. Ele não abriu mão de suas crenças, achou uma saída.
Empresas como Southwest e Microsoft, que seguraram seu crescimento deliberadamente em algum momento, acreditavam que a consistência de seus resultados atrairia os investidores. Você simplesmente tem de ignorar a pressão do curto prazo. Essa é uma escolha que os líderes das grandes empresas fizeram.

EXAME - Na sua opinião, quais são as três características fundamentais numa empresa vencedora?

As empresas vencedoras valorizam as pessoas. Bill Gates dizia que, se tirassem seus 20 melhores profissionais, a Microsoft não seria nada. Isso não significa que essas empresas são boazinhas ou complacentes com seus talentos, mas elas sempre enxergam e reconhecem o que eles estão fazendo.
Além disso, as grandes companhias acreditam que o sucesso é algo que se conquista dia a dia. Para elas, ter sido bem-sucedidas no passado não garante o futuro. Elas são paranoicas — sempre acham que, em algum momento, tudo pode dar errado. Finalmente, elas pensam no longo prazo. Suas decisões são voltadas para o futuro, e não para o trimestre seguinte.

EXAME - Há alguma grande surpresa entre as sete empresas excepcionais selecionadas em sua pesquisa?

Eu nunca teria imaginado que o melhor desempenho na bolsa de valores no período analisado seria o de uma companhia aérea, a Southwest Airlines, fundada por um sujeito excêntrico, Herb Kelleher, e que atua no setor muito difícil. Também nunca tinha ouvido falar da Stryker (empresa americana de serviços médicos).

EXAME - Depois de décadas estudando empresas vitoriosas, qual delas é a sua favorita?

Preciso reforçar que estudo algumas eras dessas empresas. Claro que elas podem ter um período brilhante e depois despencar, mas nos períodos de tempo analisados elas eram as melhores. E, se elas derraparem no futuro, isso não vai apagar seu sucesso no passado.
Dito isso, há muitos competidores interessantes nesse jogo, mas eu diria que nos 30 anos entre sua fundação e 2002, quando a pesquisa foi finalizada, o destaque foi a Southwest Airlines. O que eles fizeram foi fenomenal. E eles sempre conseguiram aliar duas coisas importantes: vencer e cuidar de seu pessoal.

EXAME - Recentemente, os americanos passaram a ir às ruas para protestar contra o mercado financeiro e também contra as grandes companhias. As empresas terão de mudar seu jeito de fazer negócios no futuro?

Primeiro, Wall Street e as empresas são espécies diferentes — e eu acho que a maioria das pessoas não percebe isso. Não é como se estivéssemos falando de tigres e leopardos. É como comparar elefantes e chimpanzés. Na minha opinião, as empresas precisam urgentemente mostrar para a sociedade essa diferença.
Precisam mostrar que geram valor, geram empregos, novos produtos, movimentam a economia — e que isso é diferente de simplesmente lidar com dinheiro.

EXAME - Anos atrás, o senhor afirmou que considerava Steve Jobs o Beethoven do mundo dos negócios. Alguém poderá substituí-lo?

Alguém pode substituir Beethoven? Existem muitos grandes compositores, mas só um Beethoven. No mundo dos negócios, haverá outros grandes empresários, mas não haverá mais nenhum Steve Jobs. O que ele fez no final da vida foi notável. Seu objetivo era que seu melhor produto fosse a própria Apple. Somente Walt Disney fez algo parecido.

EXAME - Sua trilogia revelou quais são as grandes empresas americanas vencedoras e como elas chegaram lá. Sobre o que será seu próximo livro? Não há mais o que dizer sobre esse assunto, certo?

Não. Acabou. Passaram-se quase 30 anos desde que comecei a pensar nessas questões. Quando acabei de gravar a última versão do livro, no dia 28 de abril, às 19h27, sabia que era o fim. Não vou parar de criar, mas esse ciclo foi encerrado. Não sei ainda qual será a próxima questão a que vou me dedicar, mas tenho algumas ideias.
Acabei de aceitar uma oferta da academia militar de West Point. Nos próximos anos, irei lá oito vezes para dar aulas a cadetes de 18 a 22 anos de idade, gente que estará, em pouco tempo, liderando coisas importantes em várias partes do mundo.
Também me interesso por companhias que estão ganhando corpo em outros lugares do planeta — no Brasil, na China, na Índia, na Coreia. Entre todas as coisas em que eu posso usar minha energia, onde eu faria mais diferença? Ainda não sei a resposta.

Fonte: Revista Exame, por Cristiane Correa, Boulder, Colorado

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