quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A dúvida é cruel, como viu a Pepsico


O caso de contaminação do Toddynho, da Pepsico, mostra os dilemas enfrentados por empresas que vêem suas marcas engolfadas por uma crise de confiança – e a necessidade cada vez maior de dar ao consumidor respostas rápidas.

São Paulo - Faltando três dias para o fim de setembro, a preo­cupação da Pepsico do Brasil em relação ao Toddynho, um dos principais produtos de seu portfólio, era apenas planejar as comemorações dos 30 anos da marca, a partir de janeiro de 2012. Festas, campanhas publicitárias e promoções estavam previstas.

Sucesso de vendas entre crianças e adultos, líder de mercado com participação de quase 50% entre os achocolatados prontos, o Toddynho respondeu sozinho por 20% do faturamento anual de 4 bilhões de dólares que a Pepsico registrou no país no ano passado.

Tudo ia bem até o dia 28, quando consumidores do Rio Grande do Sul começaram a passar mal depois de ingerir o que imaginavam ser apenas Toddynho.

Uma mistura de detergente com soda cáustica envasada por engano nas caixas do produto queimou boca e garganta de pelo menos 39 pessoas.
O que se viu depois disso foi mais uma companhia surpreendida pelos efeitos deletérios de uma crise de imagem e de reputação — certamente uma das piores provações pelas quais empresários e executivos podem passar.
Dois dias depois dos primeiros casos relatados por consumidores, os preparativos para as comemorações deram lugar a reuniões de um comitê de crise, formado por alguns dos principais executivos e instalado na sede da companhia em São Paulo.

Na mesma data, a Pepsico emitiu um comunicado no qual dizia ter tomado conhecimento de alteração na qualidade de cerca de 80 caixinhas do produto e pedia para que as unidades do lote contaminado não fossem consumidas.
“Respondemos com agilidade. Identificamos o problema, rastreamos onde o produto foi distribuí­do, alertamos os consumidores e iniciamos a retirada das unidades que ain­da estavam no mercado”, afirma Roberto Ríos, mexicano que assumiu a presidência da Pepsico no Brasil no início do ano, depois de comandar a operação da empresa na Venezuela.

Para os especialistas em gestão de crise, no entanto, em momentos como esse, dois dias podem ser uma eternidade, sobretudo em tempos de consumidores conectados por redes sociais virtuais.
“Houve demora na reação”, diz José Eduardo Prestes, professor da ESPM e sócio da consultoria Crisis Solution. “A primeira resposta da empresa a um problema desse tipo não deve levar mais do que 4 horas depois da constatação do fato.”

Quanto menor o tempo de resposta, maiores serão as chances de a empresa assumir o protagonismo como fonte de informação do caso. “Se a companhia não assumir esse papel, outros assumirão”, afirma Prestes. “E é impossível controlar o que será dito.”

Dias depois da primeira reunião do comitê de crise da Pepsico, a empresa veiculou um anúncio em redes de TV gaúchas informando o problema, sem explicar em detalhes as causas, e pedindo desculpas aos consumidores.
Àquela altura, porém, a contaminação do Toddynho já era assunto nacional. Logo depois das primeiras denúncias, surgiram reportagens em jor­nais, programas de rádio e de TV.

Rapidamente, o fato tomou conta de redes como o Twitter e o Facebook. “O momento pedia uma reação mais ágil, firme e proativa”, diz o consultor Mário Rosa, especialista em gestão de crises. “O que estava em jogo era um atributo fundamental: a segurança de seus alimentos.”

Em boa medida, a reputação é fruto do grau de certezas construídas em torno da marca. Ao longo dos últimos 30 anos, o Toddynho converteu-se numa mistura de leite, chocolate e certezas sobre sua qualidade, origem e benefícios, conquistando assim a confiança do mercado.

O problema, para a Pepsico e para qualquer companhia, é que essas certezas podem ser facilmente colocadas em xeque nos episódios de crise.
A confiança do mercado é envenenada pelas dúvidas. Cabe às empresas atingidas dissipá-las, à base de informação e transparência, o mais rápido possível.

A dúvida sobre o que havia, afinal, causado a contaminação do Toddynho ficou sem resposta durante uma semana. Em 6 de outubro, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou uma falha no processo de envasamento da fábrica e a presença de detergentes no produto.
Procurado pelo jornal, o diretor da unidade Toddynho, Vladmir Maganhoto, confirmou a falha de processo e afirmou que poderia haver soda cáustica nas caixinhas.

Foi a primeira vez que um porta-voz da Pepsico veio a público falar sobre o assunto. Àquela altura, porém, a contaminação de embalagens do Toddynho já era assunto de alcance nacional.
É compreensível que a Pepsico tenha esperado até revelar os detalhes de um problema que envolve um produto consumido sobretudo por crianças.
Segundo Ríos, antes de dar qualquer explicação pública sobre as causas do incidente, a empresa optou por aguardar o pronunciamento da Vigilância Sanitária, que analisava amostras contaminadas. “Casos assim sempre geram um dilema”, diz o consultor Rosa.

“Superestimar o fato e correr o risco de assustar a opinião pública ou subestimá-lo e talvez plantar a semente que dê origem a problemas ainda maiores.”
Não é a primeira vez que a Pepsico, uma das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo, enfrenta esse tipo de dilema. Em 2007, pouco antes de a indiana Indra K. Nooyi assumir a presidência mundial, um escândalo de contaminação de refrigerantes da empresa e de sua rival, Coca-Cola, estourou na Índia.

As denúncias envolviam o uso de água contaminada com pesticidas na fórmula e começaram a ser feitas em 2003. Pepsico e Coca-Cola argumentaram que seus produtos eram 100% seguros e que os testes feitos a pedido dos ativistas eram deturpados, mas os protestos só aumentaram com o tempo — e a venda de algumas bebidas chegou a ser proibida em algumas províncias da Índia.

Na época, Indra Nooyi deu a seguinte declaração à revista americana Bloomberg Business Week: “Uma coisa que eu deveria ter feito era ir à Índia três anos atrás dizer: ‘Vamos acabar com isso. Estes produtos são os mais seguros do mundo. E os testes feitos por vocês estão errados’ ”.
Seria leviano dizer que os executivos da Pepsico no Brasil subestimaram o problema do Toddynho. O certo é que, em dúvida diante da situação, o consumidor reagiu rapidamente. Segundo a empresa, as vendas do produto caíram 10% desde o início da crise. Grandes varejistas ouvidos por EXAME falam em quedas de 20% e 30%.

Infeliz coincidência ou não, em meio à crise do achocolatado, uma consumidora de Joinville, em Santa Catarina, anunciou ter encontrado um camundongo dentro do pacote do salgadinho De Montão, da Elma Chips, marca que pertence à Pepsico.
A dona de casa Ângela Maria Ziele afirma que seu filho de 5 anos abriu o pacote, até então lacrado, e lá estava o bicho. Ela entrou em contato com a empresa, que tentou recolher a embalagem para análises. Ângela permitiu apenas que fosse feita uma foto da embalagem.

“Ela não quis entregar o pacote nem para nós nem para a Vigilância Sanitária”, diz Ríos. Quase ao mesmo tempo, o Ministério Público de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, foi procurado por um consumidor que alegava ter comprado uma embalagem de Toddynho sem data de validade e, em seguida, solicitou à Vigilância Sanitária local que retirasse os produtos da marca de circulação.

A sucessão de denúncias levantou a suspeita de sabotagem contra a companhia. Embora não deem detalhes, os executivos da Pepsico admitem que essa é uma hipótese que vem sendo investigada.
No caso de Ribeirão Preto, a Pepsico se defendeu dizendo que a data de validade poderia ser facilmente retirada com álcool. Em resposta ao episódio do camundongo, emitiu um comunicado no qual garante que uma contaminação dessa natureza não seria possível em suas instalações.

“Nenhum processo é 100% seguro. Mesmo empresas que seguem as normas da ISO 22 000, as mais seguras em controles de pontos críticos, não podem afirmar que a contaminação é impossível”, diz Brigitte Bertin, coordenadora de microbiologia de alimentos da Associação Brasileira de Normas Técnicas.

A despeito de opiniões como essa, para os executivos da Pepsico no Brasil, o caso do salgadinho está encerrado. Resta torcer para que seus consumidores pensem da mesma forma.
 
Fonte: Revista Exame

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