Sob a liderança de Xi Jinping, a China entra em uma nova etapa de desenvolvimento de sua economia, hoje a segunda maior do mundo. Tecnologia e consumo são seus novos mantras. Os chineses já definiram o que querem, e isso nos afeta - para o bem e para o mal.
Roberta Paduan, de Pequim e Xangai, e Alexa Salomão, de São Paulo
Quem andasse pelas ruas de Pequim a dez dias do início do 18º congresso
do Partido Comunista Chinês, marcado para 8 de novembro, não perceberia
nenhum sinal da aproximação do evento de escolha do novo presidente e da
cúpula do governo do país pelos próximos dez anos. Num processo
diametralmente oposto à recente eleição presidencial americana, o
Congresso pouco desperta a atenção da população da segunda maior
potência econômica do planeta. Uma estudante universitária de Xangai,
coração econômico do país, chegou a dizer que teria de pesquisar no
Baidu, a versão chinesa do Google, para saber a data da mudança. Não que
ela se importasse muito com a iminente troca de guarda de seu país.
"Isso aqui é a China", disse ela, pedindo para não ser identificada.
"Minha opinião não faz a menor diferença. Além disso, o próximo
presidente já está escolhido há anos. Todos sabem disso." É verdade.
Todos já sabem que Xi Jin-ping, atual vice-presidente do país, é o
escolhido para ser o secretário-geral do PC e, portanto, também o
próximo presidente do país. A opinião da estudante é a mesma de quase
três dezenas de chineses ouvidos por EXAME nas cidades de Hangzhou,
Xangai e Pequim durante a segunda quinzena de outubro. Os chineses
também pouco sabem sobre Xi, além do fato de ele ser filho de um dos
líderes da revolução chinesa próximo do ex-timoneiro Mao Tsé-tung e de
ser casado com uma cantora do Exército. Aos 59 anos, Xi é formado em
engenharia química e doutor em direito. E conhecido por posições
liberais e por apoiar a continuidade das reformas econômicas.
Em
um país com 4 000 anos de história, e onde democracia nunca passou de
uma ideia estrangeira, esse desinteresse é compreensível. A
transformação da China nos últimos 30 anos é algo sem precedentes, e as
políticas de abertura econômica não serão alteradas pelo novo
presidente, muito pelo contrário. O maior desafio de Xi Jin-ping será
manter o país no mesmo rumo que tirou 300 milhões de pessoas da pobreza
nas últimas duas décadas e tornou a China um dos motores vitais da
economia mundial. As decisões do novo presidente serão acompanhadas com
lupa por governos e empresários do mundo todo. O objetivo é claro -
levar a prosperidade para o próximo bilhão de chineses. Mas o caminho,
não. O modelo de exportação de manufaturados e pesados investimentos em
infraestrutura terá de ser refinado. Mais chineses terão de trocar o
campo pela cidade. E todos terão de gastar mais. A revolução que começou
com as quinquilharias de 1,99 vai subir de patamar: as empresas terão
de passar dos carrinhos de brinquedo para os carros elétricos de
verdade. Foi quase impossível lutar contra a China dos produtos baratos.
Agora será a vez de enfrentar uma China cada vez mais sofisticada.
"Essa
mudança é importantíssima para a Ásia, para o mundo e, sobretudo, para o
Brasil", diz o ex-ministro de Desenvolvimento da Indústria e Comércio
Exterior Sérgio Amaral, atual presidente do Conselho Empresarial
Brasil-China. As exportações de bens primários continuarão crescendo em
ritmo acelerado. Mas isso não significa que o Brasil esteja fadado a
mandar somente soja, minério de ferro e celulose para o outro lado do
mundo. Mais de 520 milhões de pessoas devem ascender à classe média na
China até 2021, estima o analista Homi Kharas, do centro de pesquisas
americano Brookings Institution. Se até 2030, como está planejado, a
renda per capita triplicar e a classe média urbana chinesa chegar a 1
bilhão de pessoas, o país terá um potente mercado consumidor para
qualquer produto. As empresas brasileiras podem estar diante de um
mercado inesgotável, mas também terão de enfrentar uma nova geração de
empresas concorrentes endinheiradas, qualificadas e potencialmente
letais - na China, os parques tecnológicos passam de 300, e 2,2% do PIB é
investido em pesquisa e desenvolvimento.
Disparidades
O
casal Zhang Hui Hai, de 38 anos, e Weiwei Ma, de 32, representa bem a
classe média chinesa. Casados há quatro anos, os dois vivem com o filho
de 1 ano e 4 meses num apartamento próprio em Xangai. Ambos saíram de
suas cidades no interior para estudar e trabalhar. Zhang é gerente de
recursos humanos numa fábrica de exaustores de cozinha e ganha por ano o
equivalente a 83.000 dólares. A mulher é tradutora e trabalha como
autônoma para ter mais tempo para o filho. "Quando criança, ter um carro
ou viajar de avião eram sonhos impossíveis", diz Weiwei.
Não
mais. O casal tem um sedã japonês Mazda na garagem do prédio. Zhang e
Weiwei levam uma vida confortável em uma das cidades mais ricas do país e
sonham com o fim da política de um filho por casal - um novo filho
significaria mudança para uma casa maior.
Histórias parecidas
existem aos milhões - mas os chineses passam do bilhão. O país é muito
maior e mais complexo que meia dúzia de cidades que se transformaram em
mecas de consumo na última década, como Xangai, Pequim e Shenzhen,
classificadas pelo governo como cidades tierl, ou de primeiro nível. A
renda média per capita chinesa nas áreas urbanas é de 10.000 dólares
anuais - próxima da média brasileira -, enquanto na zona rural não passa
de 3.000 dólares. Mais: 10% dos domicílios mais ricos do país detêm 85%
dos ativos pertencentes às famílias chinesas, segundo revelou uma
pesquisa realizada pela Universidade do Sudoeste da China. Mobilidade
social é uma coisa; a inevitável tensão entre ricos e pobres é outra. "A
disparidade é o principal desafio que o país tem de resolver", afirma
Fan Gang, presidente do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e
professor da Universidade de Pequim. Atualmente, cerca de 400 milhões de
pessoas ainda vivem abaixo da linha de pobreza, ou seja, com menos de 2
dólares por dia.
Uma das principais transformações que Xi terá
de comandar é o desenvolvimento de uma rede de proteção social.
Ironicamente, poucas sociedades assimilaram tão bem o conceito de Estado
mínimo quanto a China "comunista" - isto é, no aspecto da prestação de
serviços públicos. O único serviço gratuito prestado à população pelo
Estado é a educação básica (os 12 anos de ensino compulsório). E, mesmo
assim, se o aluno tirar notas tão ruins a ponto de não conseguir se
classificar para uma escola de ensino médio, sua família terá de pagar
pelo ano repetido. Universidade pública, como se conhece no Brasil, não
existe. As universidades são, sim, do governo, mas todas são pagas. Nos
hospitais públicos, se o paciente não tiver dinheiro, não é atendido.
Mas o que acontece se ele estiver com uma doença grave? "Volta para casa
e espera pela morte", diz uma médica, que pede para não ser
identificada. Apesar de o governo ter começado a implantar um sistema de
aposentadoria há cerca de 20 anos, os benefícios são baixíssimos e
cobrem apenas parte da população. Qualquer aumento de renda entre os
chineses mais pobres se transforma em consumo de itens de primeira
necessidade.
Por isso mesmo, no Brasil o segmento que mais deve
se beneficiar dessa expansão da população urbana chinesa é o
agronegócio. A expectativa é que até 2020 o consumo chinês de soja
cresça 67%; o de frango, 55%; e o de suínos, 42%. "O governo chinês tem
grande preocupação com a segurança alimentar e quer garantir comida para
a população", diz Marcos Molina, presidente do Marfrig, frigorífico que
detém a marca Seara. "A China será o maior consumidor de alimentos do
mundo, e vamos participar disso." Para aproveitar esse potencial, Molina
resolveu seguir a recomendação da cartilha chinesa: por meio da
subsidiária Keystone Foods, fornecedora americana de hambúrgueres
adquirida pelo Marfrig em 2010, ele formou no ano passado duas
sociedades na China. Uma parceria é com a estatal Cofco, para
distribuição, e a outra com a privada Chinwhiz, voltada para a produção.
O objetivo é abastecer 2 600 restaurantes na China, em Hong Kong e no
Japão. A Cofco é a maior produtora de comida industrializada da China e
líder em importação e exportação de grãos, óleos e alimentos. É uma das
53 empresas chamadas de "supergrandes", administradas diretamente pelo
Conselho de Estado chinês. Graças ao poder de fogo do parceiro, hoje
mais de 5 500 pontos de venda na China têm 70 produtos da marca Seara,
produzidos no Brasil e exportados. No início do ano, a concorrente BRF
usou estratégia semelhante à do Marfrig. Criou uma sociedade meio a meio
com a Dah Chong Hong para distribuir produtos no mercado chinês,
processar carnes e desenvolver a marca Sadia. "A população rural que
migra para as cidades tem menos tempo para tarefas domésticas, e isso
aumenta a demanda por alimentos em que somos especializados", afirma
José Antonio Fay, presidente da BRF. Ele cogita abrir uma fábrica no
país em 2014.
No terreno das matérias-primas, o cenário também é
positivo para os setores que lidam com a exploração de minérios, em
especial o minério de ferro. Os investimentos em infraestrutura tendem a
diminuir, mas a migração nos próximos 20 anos de 300 milhões de
camponeses - o equivalente a praticamente um Estados Unidos - para as
cidades vai manter o fôlego da construção civil. Estima-se que em 2030
mais de 200 cidades terão mais de 1 milhão de habitantes - hoje são 146.
Para efeito de comparação, em 2010 a Europa inteira tinha apenas 35
cidades com esse número de habitantes. A China absorve aproximadamente
metade do minério de ferro brasileiro. Na Vale, principal empresa do
setor, em dez anos as vendas à China cresceram oito vezes. A Suzano, do
setor de papel e celulose, começou a exportar para a China 20 anos
atrás. Hoje, 34% de sua produção de celulose vai para lá - e o plano é
vender ainda mais. "Nos próximos dez anos, nossa intenção é dobrar a
participação no mercado chinês", diz Alexandre Yambanis, diretor da
unidade de negócio de celulose da Suzano.
Antes de contar com
essa bonança, porém, é preciso entender que a ideia de tirar os chineses
do campo e colocá-los nas cidades requer equilíbrio, controle e
cautela. Entre as peculiaridades da China, uma das menos conhecidas, mas
das mais importantes na estabilidade de um país com 1,3 bilhão de
habitantes, é o sistema hukuo. Todo chinês se registra junto às
autoridades locais e recebe a classificação de trabalhador urbano ou
rural. Isso permite ao governo controlar a migração para as cidades, mas
gera duas "classes" de cidadãos. Entre os trabalhadores das cidades,
40% têm direito a aposentadoria, ante 60% dos que são do campo. Mas a
relação entre os valores é inversa: na cidade o benefício é de 3 000
dólares anuais; e na área rural, 1 000. Mudar o sistema, o que na
prática seria remover os obstáculos para uma urbanização mais agressiva,
está no topo da agenda do Partido Comunista. A questão é como fazê-lo
sem gerar um êxodo em massa para as cidades.
Apenas nos anos
90,126 milhões de pessoas deixaram o campo rumo às cidades para ocupar
uma vaga nas fábricas voltadas para a exportação. Esse exército de
migrantes permitiu que a China ganhasse uma escala sem paralelo no
mundo. As Ferraris, as bolsas Louis Vuitton, as joias da Tiffany e até o
prosaico café no Starbucks, que na China também é símbolo de status,
mostram que as palavras de DengXiaoping ("Enriquecer é glorioso") foram
levadas ao pé da letra. Deng assumiu o poder em 1976, após a morte de
Mao Tsé-tung, e deu início à política de abertura econômica. Mas, por
causa do hukuo, apenas uma parcela dos chineses conhece a glória da
prosperidade, como mostra um episódio vivido por um entrevistado de
Exame. Ele relatou a história sem o menor tom de indignação. Assim que
sua filha nasceu, um oficial da comunidade (espécie de síndico e
representante do governo chinês, que supervisiona parte do bairro) bateu
à porta de sua casa para perguntar quem eram as duas pessoas que
estavam hospedadas lá havia duas semanas. Eram seus sogros, vindos do
campo para ajudar a cuidar da neta recém-nascida. O oficial anotou as
informações, tirou fotografias e deu permissão de permanência
temporária. É assim a vida na China comunista.
Corrupção
Além
do gerenciamento das tensões sociais, a manobra capitaneada por Xi nos
próximos anos será executada em um ambiente político em transformação.
Segundo o instituto internacional de pesquisas Pew Research, nos últimos
quatro anos a parcela da população chinesa que considera muito
preocupantes temas de responsabilidade direta do Estado cresceu
fortemente. A preocupação com a corrupção passou de 39% para 50%. No
início do mês, o PC formalizou a expulsão de Bo Xi-lai, um alto
integrante do partido acusado de enriquecimento ilícito e cuja mulher
foi condenada pelo assassinato de um empresário britânico. Do lado da
economia, o cenário também inspira cuidados. Os efeitos da crise
internacional já se fizeram sentir aponto de a China ter mudado de
patamar de crescimento. O cenário mais aceito por analistas é que a
economia deve passar a crescer de 7% a 8% nos próximos anos e, depois,
baixar para algo entre 6% e 7%. E muito menos do que a média de 10% que
perdurou por 20 anos até a crise de 2008? "Sim, mas é preciso notar que
os 7,5% de crescimento vão representar bem mais do que os 10% de anos
atrás", diz Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
Afinal, são 7,5% sobre um PIB de 7,3 trilhões de dólares. Há cinco anos,
o PIB chinês era de 2,3 trilhões, equivalente ao do Brasil atual.
O
poder de compra dos chineses, porém, avança mais devagar. Para manter a
indústria competitiva, os reajustes salariais sempre ficaram abaixo dos
ganhos de produtividade. Como quase não há seguridade social, o chinês
prefere guardar para a aposentadoria a consumir, o que prejudica a
expansão do mercado interno. Para complicar, o dinheiro depositado nos
bancos tem taxas de remuneração negativas para bancar empréstimos a
juros baixos para os investimentos em infraestrutura. Em busca de um
rendimento melhor, os chineses investem na compra de imóveis, o que gera
o medo de uma bolha nesse setor. A esta altura, a renda per capita dos
chineses ainda é de apenas 5 450 dólares, cerca de metade da brasileira.
"A China pode cair na armadilha da renda média: conseguir sair da
miséria, mas não dar o salto até o nível dos países ricos", diz o
economista Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Por isso, a nova cúpula comandada por Xi precisará apertar o
passo. "Há um consenso de que a transição de um modelo para o outro
precisa ser acelerada", diz Tatiana Rosito, conselheira para assuntos
econômicos da embaixada do Brasil em Pequim.
Quaisquer que sejam,
essas medidas terão enorme repercussão para o Brasil - para o bem e
para o mal. Na avaliação do economista Roberto Dumas, da escola de
negócios Insper, o novo modelo de crescimento vai tornar a China um país
ainda mais onipresente na economia internacional e afetar a vida de
empresas de todos os setores. Dumas viveu na China quatro anos como
executivo do banco Itaú BBA e fez mestrado em economia chinesa na
Universidade de Fudan. "E preciso definir como vender para o país,
avaliai" como fazer parcerias com empresas chinesas ou optar por
produzir na China", diz Dumas. "Quem não fizer nada disso será cobrado
pelo acionista, porque a força econômica da China só tende a aumentar."
No discurso, o governo brasileiro, por intermédio da Agência de Promoção
às Exportações, vem incentivando as vendas de produtos que possam cair
no gosto da nova classe média, como vinho, café, sucos, chocolate e até
calçados, um dos setores da indústria brasileira mais prejudicados pela
concorrência chinesa. Na prática, porém, governo e empresários
brasileiros vêm perdendo oportunidades de conhecer o mercado chinês.
Apenas quatro empresas brasileiras enviaram representantes à cidade de
Hangzhou, em outubro, a um evento de promoção do comércio entre China e
países da América Latina, realizado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) - as empresas participantes foram BRF, Odebrecht,
Ste-fanini e Tecsis. A Apex nem sequer indicou um empresário de pequeno
ou médio porte, que teria as despesas pagas pelo BID. No evento, foram
realizados mais de 1500 encontros de empresários chineses e
latino-americanos. "O momento é ímpar para o comércio global", diz
Marcos Lélis, coordenador da Unidade de Inteligência Comercial da Apex.
"A segunda economia do mundo é um país em desenvolvimento, com um
mercado em franca expansão, o que abre oportunidades para empresas de
todos os setores"
Se existem avenidas para entrar no mercado
chinês, elas são de mão dupla: a China quer que suas empresas se tornem
ainda mais competitivas, especialmente fora do país. Um estudo
coordenado por Lia Valis Pereira, economista da Fundação Getúlio Vargas
do Rio de Janeiro, identificou que o país asiático avançou nos nossos
vizinhos latinos, em detrimento dos exportadores brasileiros. A
participação da China nas importações da América do Sul passou de 5% em
2002 para 16% em 2011. A do Brasil, ao contrário, que chegou a 17% em
2006, caiu para 13%. De 2008 a 2011, o Brasil perdeu 7 bilhões de
dólares em transações nessa parte do continente. A diversidade de
setores atingidos impressiona: máquinas, móveis, brinquedos, aço,
plásticos, tratores, carros e equipamentos elétricos são apenas alguns
dos itens. As perdas foram especialmente altas em setores como máquinas e
equipamentos - 61% ao todo, sendo que mais da metade da retração
representa perda de mercado para produtos chineses.
"As empresas
ocidentais, listadas em bolsa, precisam elevar os lucros para valorizar
as ações e remunerar os acionistas. As chinesas aceitam retornos muito
baixos e em sua maioria são estatais, beneficiadas com empréstimos a
juros camaradas", diz Rubens Besi, diretor de estratégia da Marcopolo,
fabricante gaúcha de carrocerias de ônibus. (E Besi nem precisa
mencionar o custo Brasil.) Desde o início da crise de 2008, a Marcopolo
perdeu 40% de seu mercado no Chile, 30% no Peru e 10% no Uruguai -
adivinhe para empresas de que país? No ano passado, Besi participou de
um programa da escola de negócios Fundação Dom Cabral que mostra como
fazer negócios com os demais países do bloco Bric. "Na rodada chinesa, o
representante do governo disse que 0 país tinha 3 trilhões de dólares
em caixa e havia separado 1 trilhão para ajudar empresas chinesas, de
setores considerados estratégicos, a comprar empresas estrangeiras", diz
Besi. "Isso me assustou." Na lista apresentada estavam setores em que o
Brasil se destaca, como mineração, petróleo e alimentos. De 2008 para
cá, a China anunciou 30 bilhões de dólares em investimento na aquisição e
na instalação de empresas no Brasil, em sua maioria com representantes
da nova geração de negócios chineses. A Sinopec, estatal de petróleo,
comprou 40% da Repsol Brasil. A Huawei, fabricante de produtos de
telecom, assinou acordo para a instalação de um centro de pesquisa em
Campinas. A Chana Motors, terceira maior montadora de veículos da China,
vai construir uma unidade em Anápolis, em Goiás. A Foxconn, montadora
de celulares, em Manaus desde 2005, anunciou uma nova fábrica para
montar tablets em Itu, no interior de São Paulo, ao lado da Lenovo,
conterrânea que fabrica computadores. A estratégia da China é usar o
Brasil e demais emergentes como uma espécie de laboratório para o
aperfeiçoamento de produtos chineses até que eles tenham qualidade e
sofisticação para disputar com o que há de melhor em países como Estados
Unidos e Alemanha.
A dificuldade dos produtos brasileiros em
competir com os chineses cresce na mesma proporção que pioram nossos
problemas estruturais - além das vantagens construídas pelos chineses,
temos de lidar com obstáculos que são de nossa responsabilidade.
"Utilizar a China como bode expiatório não é o melhor caminho. O destino
de nossa indústria depende de um conjunto de ações internas para
superar nossas deficiências estruturais", afirma o economista Alexandre
de Freitas Barbosa, da Universidade de São Paulo, autor de um estudo
sobre o impacto da concorrência chinesa sobre a indústria brasileira de
manufaturados. O segredo da revolução econômica chinesa foi, antes de
tudo, o planejamento. "Nas últimas décadas, a China teve a economia mais
bem gerenciada do mundo", diz Paulo Vandor, da consultoria Monitor
Group, que tem se dedicado a estudar a estratégia dos orientais. "Os
chineses têm objetivos e planejamento de longo prazo, revisados
permanentemente. Os planos quinquenais são detalhados com o que cada
setor tem de fazer." A cúpula chinesa é formada por uma maioria absoluta
de engenheiros. Isso pode ser discutível, por deixar de lado visões
humanísticas. Mas Xi e seus pares são planejadores pragmáticos. E devem
buscar o que a China precisa em sua nova etapa. "Em dez anos os chineses
deverão ter as melhores universidades do mundo e os maiores centros de
biotecnologia", afirma Vandor. A China acaba de escolher sua liderança
para os novos caminhos, e tem clareza do que quer. Precisamos de uma
clareza semelhante - quanto antes.
Fonte: Exame