quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ainda falta um plano de voo

As 500 maiores empresas do país nunca faturaram tanto, de acordo com Melhores e Maiores 2012. Mas lucros em queda mostram que o Brasil se ressente da falta de reformas.

Passada a euforia de 2010, quando o produto interno bruto brasileiro cresceu estupendos 7,5%, um certo ar de ressaca tomou os humores da economia brasileira no ano passado. Para o Brasil, 2011 foi um misto de alívio — afinal, em um mundo em crise, conseguimos crescer 2,7% — com desconfiança do cenário que se desenha no horizonte.

Esse espírito foi captado pelos números reportados pelas 500 maiores empresas do país, pre­miadas no dia 4 de julho na festa da edi­ção especial Melhores e Maiores 2012. Por um lado, esse conjunto de empresas teve faturamento líquido de 2 trilhões de reais em 2011, montante 7,3% maior que o do ano anterior.

É, sem dúvida, uma soma de respeito: foi o maior faturamento registrado em 39 anos de acompanhamento da economia feito por Melhores e Maiores. Por outro lado, o lucro das empresas recuou quase 17%, e o retorno do patrimônio caiu de 10,7% para 8,2%.

Também as margens de vendas deram um sinal de alerta de que nem tudo no universo corporativo — e, por extensão, na economia brasileira — está sob céu azul. Esse indicador fechou 2011 em 8,2%, seu segundo pior patamar desde 2003.

Conforme afirmou em seu discurso Roberto Civita, editor e presidente do conselho de administração do Grupo Abril, um jeito positivo de encarar a situação é que o país, livre afinal da euforia vivida em 2010, tem a chance de enxergar a economia sem superestimar seus méritos — e sem negligenciar suas fraquezas.

Para este ano, analistas já enxergam a possibilidade de crescimento da economia inferior a 2%. Representante do governo na festa, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a reforçar seu argumento de que o Brasil está preparado para enfrentar a crise externa. “Não podemos nos deixar impressionar pelo mau humor do cenário internacional”, disse ele.

E, na sequência, elencou medidas oficiais tomadas para fazer frente às intempéries, como o corte de tributos de setores como linha branca e móveis e um pacote de compras públicas de 6,6 bilhões de reais. Mas as respostas dadas pelo governo a novos solavancos — sejam elas eficazes ou não — costumam ter efeito de curta duração.

A redução temporária de imposto para um segmento industrial, por exemplo, não vai resolver todos os problemas da indústria do país, a área mais afetada pela crise atual.

E eis uma grande lição a ser aprendida com o ano de 2011: o país precisa, de verdade, de um plano de voo de longo prazo. Só assim um ano de forte crescimento, como 2010, não será sucedido por um decepcionante.

“Quem está formulando os passos que precisamos dar à frente? Quem está fazendo plano estratégico de longo prazo? Os partidos políticos? O empresariado? As associações de classe? Os centros de pesquisa? A universidade? Lamento, mas a resposta é: não, não, não, não e não”, disse Roberto Civita aos cerca de 1 200 empresários e executivos que lotaram o Clube Monte Líbano para assistir à premiação.

“Não dá para tocar a vida e muito menos nossas empresas ou o país olhando para o curtíssimo prazo, como se tudo dependesse da cotação do dólar, da bolsa de valores ou do saldo comercial do trimestre. É hora de olhar para a frente — e pensar com seriedade em como vamos construir um país melhor para nossos filhos e netos.”

Foi com o olho no longo prazo que uma empresa criada em uma garagem em São Paulo em 1983 pôde se tornar uma das maiores de seu setor no mundo. Ernesto Haberkorn e Laércio Cosentino fiaram-se na profecia de Bill Gates, criador da Microsoft, de que no futuro haveria um computador em cada casa.

E assim a dupla criou a empresa de software Totvs. Em 2011, o faturamento da companhia passou pela primeira vez de 1 bilhão de reais. Ao multiplicar as vendas por 10 em uma década e tornar-se a sexta maior empresa de software de gestão do mundo, a Totvs foi escolhida a empresa do ano por Melhores e Maiores 2012.

Na chamada “década perdida”, a companhia enxergou uma oportunidade — e ficou rica antes de ficar velha. No momento, o Brasil tem igualmente a oportuni­dade de enriquecer antes de envelhecer. Que comecemos a preparar o terreno para isso — antes que a oportunidade seja desperdiçada.

Fonte: Exame, por Patrick Cruz

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