Documentário conta a trajetória de Joaquim Melo, criador do banco Palmas, que já emprestou R$ 4 milhões a pobres, e de outros empreendedores sociais ao redor do mundo.
“Se eu pudesse apontar um momento, daqueles em que você diz: ‘Agora não
tem mais jeito, minha vida vai ser essa’, foram aqueles oito meses em
que morei com os catadores de lixo, em Fortaleza (CE), convivendo com os
urubus, com o lixo, com a lama. Tudo ali é um contexto só. É o fundo do
poço da miséria humana. Ali eu disse, não tem mais jeito, daqui pra
frente minha vida inteira vai ser enfrentando esse flagelo da humanidade
que é a pobreza, a miséria”.
O depoimento é de Joaquim Melo, fundador do Banco Palmas – se não o
primeiro, um dos primeiros bancos sociais do Brasil – em cena do
documentário Quem se Importa, estreado neste mês de abril. Em 1984, o então seminarista
Melo foi morar no lixão para fazer trabalhos comunitários. A maioria dos
catadores do lixão residia na favela Palmeiras, a maior de Fortaleza.
Melo, então, se mudou para o lugar. Com o passar dos anos, depois de
muitos mutirões comunitários, a favela virou bairro, com saneamento
básico, água encanada e luz.
Sem condições de bancar essa nova estrutura, pagar conta de água e luz,
os moradores do Palmeiras passaram a vender suas casas e deixar o
bairro. Foi assim que nasceu a ideia do Banco Palmas. Por meio de uma
pesquisa, o “Mapa da produção e do consumo local”, a comunidade percebeu
que gastava R$ 1,2 milhão em compras mensais. Cerca de 25 mil pessoas
moravam no conjunto à época. Basicamente, 80% do que consumiam vinha de
fora do bairro. A conclusão: se o dinheiro ficasse dentro do bairro, as
pessoas também teriam condições de permanecer ali.
A largada foi dada com um empréstimo de R$ 2 mil, em 1998. O crédito era
fornecido à população local por meio de uma moeda própria, a “palmas”,
utilizada e aceita apenas na própria comunidade. O sistema que passou a
funcionar é o mesmo até hoje. Cada palma vale R$ 1 na transação. Nenhum
comerciante é obrigado a aceitar, mas cerca de 240 estabelecimentos
aceitam a moeda local no Conjunto Palmeiras. O morador pode fazer um
empréstimo sem juros em palmas. Ele pode ainda trocar reais por palmas
no próprio banco e consumir com descontos de 5 a 10% nos
estabelecimentos credenciados. Outra possibilidade, ainda, é receber
parte do salário na moeda própria.
Logo, as pessoas começaram a pagar o crédito e o Banco Palmas foi
conseguindo mais injeção de capital. O dinheiro passou a circular. De
2007 a 2009, o banco realizou 3.139 operações de crédito, com um volume
emprestado de R$ 4.126.712,79. No total, 2,5 mil famílias foram
beneficiadas pelo esquema. Segundo cálculos da organização, 8 mil postos
de trabalho foram mantidos e mais 2 mil foram gerados.
Uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFCE) avaliou o impacto
do Banco Palmas sobre a comunidade e mostrou que 90% dos entrevistados
melhoraram sua condição de vida, 25% conseguiram um emprego e 23%
montaram um pequeno negócio. O comércio local aumentou suas vendas em
80%. Ao todo foram criados 2,2 mil postos de trabalho e seis empresas
comunitárias. A experiência do Palmas começou a se disseminar no Brasil.
Existem, atualmente, 67 bancos comunitários no país. Em 2006, foi
criada a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, que integra todos os
bancos. “A palma não foi criada em Harvard ou na USP. Surgiu nos grotões
do Nordeste”, diz Melo no filme. “A pobreza não é uma sentença.”
Aluguel de banheiros
Outra história contada pelo documentário é a do nigeriano Isaac Durojaiye. Durojaiye, que morreu no último dia 20, trabalhou como guarda-costas de Moshood Kashimawo Olawale Abiola, ex-presidente nigeriano, empresário e político. Ao notar que a falta de banheiros limpos era responsável por muitas doenças que acometiam sua comunidade, Durojaiye montou uma rede de toaletes públicos, a DMT Mobile Toillets.
Para gerenciar os banheiros, a DMT contratou “meliantes de rua
ociosos”, como chefes de ganges, prostitutas etc. Cada banheiro
normalmente serve cerca de 100 pessoas por dia e seus “gerentes” ficam
com uma parte do dinheiro. Eles levam 60% da renda e e repassam 40% para
a DMT. Por meio da parceria, os integrantes não apenas ganham salários
decentes, como também adquirem a experiência de trabalho significativa e
podem ser reintegrados à sociedade.
A ousadia nos negócios da DMT vai adiante. Como em qualquer negócio,
Durojaiye sabia que o aluguel de banheiros públicos precisava de um
forte slogan para ser divulgado. Foi assim que surgiu o “Shit Business
is Seriuous Business” (em livre tradução, algo como “A merda é um
negócio sério”). “Ideias são coisas que devemos libertar. Quanto mais
você guarda sua ideia para si mesmo, mais ela se torna inútil”, afirma o
empreendedor nigeriano no documentário.
Crédito pela internet
A imagem nunca saiu da cabeça do indiano Premal Shah. Aos cinco anos, Shah foi a um mercado com sua mãe. Era a época das monções, o período das chuvas na Índia e o chão estava repleto de lama. Quando sua mãe deixou cair uma moeda de uma rúpia, uma senhora de 60 anos imediatamente se abaixou e ficou remexendo a lama na tentativa de encontrar algo.
Em 2006, com uma vida muito tranquila, ele começou a ficar inquieto.
“Eu tinha bons amigos, um bom emprego, bom salário, mas sentia que
faltava algo”, conta ele em Quem se importa. Dessa inquietação
nasceu a Kiva, uma organizaçao sem fins lucrativos que conecta pessoas
ao redor do mundo que precisam de empréstimos para abrir um negócio a
possíveis financiadores. O empréstimo começa em US$ 25 (o equivalente a
quase R$ 46). Em seis anos, a Kiva já emprestou US$ 300 milhões e
registra uma taxa de 98,94% de pagamento. Pela iniciativa, em 2009, Shah
foi selecionado pela revista Fortune para a lista dos maiores
empreendedores abaixo dos 40 anos e eleito Jovem Líder Global pelo Fórum
Econômico Mundial.
Banqueiro dos pobres
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
terceiro setor movimenta aproximadamente R$ 32 bilhões no país. O valor
representa 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Quem se Importa é um documentário de Mara Mourão, com narração
do ator Rodrigo Santoro. O filme mostra ainda a experiência de Muhammad
Yunus, fundador do Grameen Bank e ganhador do Nobel da Paz, Bill
Drayton, fundador da Ashoka, primeira organização do mundo a identificar
e apoiar o empreendedorismo social.
Fonte: Época Negócios
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