quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Qualidade sob medida


Entenda o que o cliente quer e entregue exatamente o prometido. Eis cinco empreendedores que estão vencendo o desafio de oferecer alta qualidade sem explodir os custos.

Na metade do ano passado, a estilista Cris Barros, de 39 anos, levou um susto. Dona da grife que leva seu nome, ela havia sido procurada para criar uma coleção de roupas femininas e infantis exclusiva para a rede de varejo Riachuelo. 

Cris, ex-modelo que deixou as passarelas há pouco mais de uma década para empreender no mundo da moda, custou a acreditar que o convite fosse mesmo para ela — como seria possível transformar suas criações, que custam em média 600 reais nas lojas da grife, em peças com preços médios 90% menores, como queria a Riachuelo?
"Num primeiro momento, achei que não dava", diz. Feitos os cálculos, Cris mudou de ideia. A coleção chegou às lojas no dia 3 de abril e, menos de 48 horas depois, algumas das peças mais procuradas já estavam em falta. Havia boas razões para tentar. No curto prazo, era um jeito de obter uma receita extra — segundo estimativas do mercado, a grife teve direito a comissões que podem variar de 1% a 5% sobre o valor de cada item da coleção.
No longo prazo, aquela poderia ser a primeira de uma série de parcerias com grandes empresas para levar a Cris Barros, que faturou algo em torno de 35 milhões de reais no ano passado, a entrar num novo ciclo de expansão, com a conquista de grandes parcelas de consumidores emergentes da nova classe média brasileira.

Três meses depois do lançamento da coleção com a Riachuelo, Cris foi chamada pela Grendene para desenhar três modelos de sandálias. Os calçados já estão sendo vendidos no Brasil e serão exportados a partir do próximo ano.
A Cris Barros está superando um dos maiores desafios da expansão de uma pequena ou média empresa — entregar produtos e serviços com a qualidade que o cliente deseja, ao preço que ele aceita pagar e sem pôr em perigo as margens do negócio. 

Para a maioria, essa é uma conta que parece não fechar. No ano passado, os empreendedores das companhias que entraram na lista das 200 pequenas e médias empresas que mais cresceram no Brasil, apontadas no estudo anual que Exame PME faz com a consultoria Deloitte, estavam preocupados com isso.
Mais de 70% deles disseram que qualidade é um pré-requisito para participar de cadeias produtivas dos setores mais promissores da economia, como o mercado de moda popular de que faz parte uma rede como a Riachuelo. Ao mesmo tempo, há que se lutar para manter os custos sob controle, ou fica impossível entregar o que foi prometido sem renunciar a uma parte importante dos lucros.  

Para a parceria com a Riachuelo sair do papel, Cris atacou o que mais pesava no custo das roupas. Primeiro, estudou uma forma de substituir o chamois e a seda, bastante utilizados em suas coleções, por tecidos mais baratos, importados da China.
"Examinei dezenas de catálogos até encontrar quem conseguisse fabricar poliéster e couro sintético com bom caimento", diz Cris. Outro cuidado foi limitar bastante a quantidade de detalhes e acabamentos feitos a mão, outra constante da grife. "As roupas seriam produzidas em grande escala nas fábricas da Riachuelo", diz Cris. "Desenhei apenas uma blusa com renda, que tem um preço mais alto e foi feita em pequena quantidade."

Desde o ano passado, a Riachuelo vem investindo em parcerias com outras grifes. "Hoje existe uma demanda de consumidores emergentes dispostos a pagar um pouco mais por roupas que levam a assinatura de estilistas famosos", diz Marcella Martins de Carvalho, diretora de marketing da Riachuelo, responsável pelas parcerias.

Já foram feitas coleções com Oskar Metsavaht, dono da Osklen, e com Pedro Lourenço, que tem uma grife com seu nome. Nos dois casos, esses estilistas, assim como Cris, tiveram de trabalhar fora de sua zona de conforto.
"Eles tiveram de entregar a qualidade máxima dentro de nossas exigências, que eram muitas", diz Marcella. "De outra forma, não seria possível viabilizar a proposta de levar design de ponta a preços acessíveis ao consumidor popular."
É chover no molhado dizer a um empreendedor que é preciso ter qualidade. Isso é básico, e dificilmente um dono comprometido com o crescimento de sua empresa não está se esforçando, e muito, para melhorar alguma coisa em seu produto ou serviço. Acontece que a grande maioria está apegada a um conceito equivocado. 

A alta qualidade não está necessariamente num produto com mais recursos ou num serviço mais sofisticado. É por isso que, com frequência, tantos empreendedores voltam para casa frustrados por não ter conseguido convencer seus clientes em potencial de que eles cobram só um pouquinho mais para entregar algo bem superior ao do concorrente. 
Pode ser que suas matérias-primas sejam as mais puras do mercado. Pode ser que seus funcionários sejam os mais bem treinados do setor. Pode ser que seus balanços sejam auditados e que todos os certificados ISO tenham sido obtidos com louvor. Mas não há jeito de traduzir tudo isso em receitas se o mercado não valorizar os atributos com os quais o empreendedor tanto se importou. 

Da porta da empresa para fora, o que é uma questão de qualidade para o dono de um pequeno ou médio negócio pode não ser tão importante assim para o cliente. "Nesses casos não é qualidade, é apenas custo", afirma Sérgio Honório, da consultoria INDG, especializada em gestão de custos e processos. "Atender à expectativa do mercado e entregar o que foi prometido é a melhor definição de qualidade que uma pequena ou média empresa pode seguir."
Nessa história toda, o bom é que, do lado dos clientes, há um bocado de gente insatisfeita — ou seja, oportunidades para pequenos e médios empresários que consigam transformar queixas em negócios. Veja, por exemplo, o que acontece num pedaço do mercado de softwares de gestão.
Pode parecer incrível, mas, mesmo com tantos provedores de soluções por aí, há quem tenha muita dificuldade em manter as informações sobre as frequentes mudanças na lei sempre atualizadas. 

"Há semanas que saem mais de dez portarias, circulares e normas novas regulamentando nossa atividade", diz Robson Pereira, supervisor de TI da seguradora paulista Cesce Brasil, especializada em vender apólices de seguros para operações de crédito. "Boa parte dos softwares que há no mercado não faz a atualização ou não é fácil de operar."

O empreendedor Mauricio Ghetler, de 51 anos, enxergou aí um problema de qualidade não atendida. Durante os muitos anos em que Ghetler trabalhou como consultor de TI para seguradoras, ele ouvia histórias de funcionários que viviam enrolados com sistemas alimentados com instruções desatualizadas.
Em 2005, ele e outros quatro consultores tomaram uma atitude empreendedora e criaram a I4Pro, de São Paulo, com a missão de desenvolver um software para acabar com aquela agonia.  

Para isso, Ghetler precisou ganhar uma profunda compreensão do tormento dos clientes. "Levei dois anos para desenvolver o sistema", diz. Ele chegou a algum lugar após seguir por esse caminho. Com apenas três anos de vida, o software de gestão da I4Pro já foi comprado por grandes seguradoras, como Bradesco e Itaú, e deve trazer neste ano um faturamento de 11 milhões de reais, 40% mais que em 2010.
O caso do dentista Mauricio Camisotti, de 47 anos, é de outra natureza. Camisotti é fundador da operadora de planos odontológicos Prodent, de Barueri, na Grande São Paulo. Em 2008, sua empresa faturava 22,6 milhões de reais por ano vendendo seus planos para grandes companhias, que os concedem como benefício aos funcionários.

Entre seus clientes estão empresas como a rede de lanchonetes Bob’s, do Rio de Janeiro, e o frigorífico Aurora, de Santa Catarina. "O problema é que está ficando cada vez mais difícil crescer nesse setor", diz Camisotti. 
Principalmente nos últimos anos, com o mercado de trabalho aquecido, um número maior de empresas tem procurado aperfeiçoar seus pacote de benefícios para aumentar as chances de não perder os melhores funcionários para os concorrentes. Por um lado, isso foi bom para a Prodent, que conquistou uma porção de clientes corporativos num período recente. 

Por outro lado, a vida de Camisotti ficou mais dura. Grandes competidores, como as operadoras de planos de saúde, passaram a vender planos odontológicos para seus clientes, o que aumenta a probabilidade de Camisotti descobrir que está batendo na porta de alguém que acabou de comprar o que ele quer vender.
Além disso, essas empresas têm dinheiro para comprar outros pequenos e médios negócios do setor — como ocorreu com a DentalPlan, operadora de planos odontológicos com atuação no Norte e Nordeste do Brasil, adquirida pela Sul América há cinco meses — e ficar ainda mais fortes do que estavam antes.

Há três anos, Camisotti analisou as estatísticas de saúde do país mais uma vez, em busca de inspiração para traçar um plano de crescimento. Os números mostravam que ainda são poucos os brasileiros que contam com um plano odontológico — apenas 8,2% da população, segundo dados da Agência Nacional de Saúde.
Uma explicação para uma taxa tão baixa é que, para a maioria das operadoras, é mais rentável negociar grandes pacotes de planos para empresas com muitos funcionários do que um plano de cada vez para pessoas físicas. Para Camisotti, isso significa que há um mercado bem maior do que ele estava acostumado a procurar, formado por profissionais autônomos, donas de casa, estudantes e empregados de micro e pequenas empresas. 

"Se eu conseguisse oferecer um plano barato, com mensalidades baixas, poderia crescer num mercado pouco atrativo para as grandes companhias", diz Camisotti. "Mas montar um plano realmente bom com essas condições, e que também fosse rentável para a Prodent, era dificílimo."
Camisotti ficou meses consultando estudos para elencar os procedimentos dentários de que as pessoas mais precisam. "Sem um número mínimo desses procedimentos, a qualidade de meus planos seria ruim", diz ele. Ao mesmo tempo, o acesso aos tratamentos não podia ser totalmente liberado, sob o risco de quebrar o negócio. 

Faz uma planilha de custos aqui, desenha um gráfico ali, Camisotti chegou ao que lhe pareceu conciliar custo e qualidade — um plano com mensalidades a partir de 18 reais com períodos variáveis de carência. Consultas de emergência estão liberadas no dia seguinte à compra do plano. Procedimentos básicos, como restaurações, podem ser feitos depois de 90 dias.
E quem quiser serviços mais caros,  como implantes, pode ter de esperar até seis meses. Os novos planos foram lançados há três anos. De lá para cá, a Prodent cresceu quase 200%, chegando a um faturamento de 67,4 milhões de reais no ano passado. "Boa parte do crescimento veio da conquista de novos clientes que compraram esse tipo de plano."

O que torna a busca pela qualidade extremamente desafiadora para pequenos e médios empresários como Camisotti é que não basta oferecer qualidade, apenas. É preciso descobrir um meio de fazê-lo em grande escala.
Existiram, existem e sempre existirão produtos feitos sob encomenda — como o alfaiate que confecciona ternos para alguém com ombros largos demais, o nutricionista que prepara um cardápio para o triatleta que precisa ganhar determinado teor de massa muscular e o músico que compõe um jingle para promover o lançamento de certo feijão preto enlatado. 

"Produzir algo que satisfaça um cliente é uma coisa", diz Marco Militelli, consultor especializado em gestão para pequenas e médias empresas. "O desafio do empreendedor é fazer algo com boa qualidade que possa ser vendido para um grande mercado." 
No clube dos que não tiveram medo do desafio está o catarinense Angelo Marin, de 35 anos. Para vencê-lo, ele teve de entender que, por trás de um cliente insatisfeito, havia um problema maior em busca de uma solução. Há alguns anos, ele tinha comprado um pedaço da sociedade da Outplan, pequena prestadora de serviços de tecnologia de São José, na Grande Florianópolis, que atendia grandes empresas e universidades. 

Não demorou muito para Marin constatar que, de forma geral, os departamentos de compra dos clientes careciam de agilidade. "Os compradores reclamavam que os softwares de compras que eles tinham de usar eram pouco práticos", diz Marin. Os compradores recebiam montes de pedidos picados, com listas de dezenas de coisas que cada departamento ou filial solicitava — canetas, material de limpeza, insumos para a produção.
Era preciso reclassificar tudo por categorias de itens para, só então, inserir as informações no soft­ware de licitações. "Eles diziam que a qualidade dos sistemas deixava a desejar", diz Marin. "Além disso, aquilo sugava energias que poderiam ser gastas em atividades mais produtivas."

Ele desenvolveu um software em que os responsáveis por cada departamento ou filial inserem seus pedidos, já separados por tipo de produto. Para cada categoria o programa reúne as solicitações e faz cotações de preços automáticas com os fornecedores cadastrados.
Os funcionários do setor de compras determinam a periodicidade das licitações, supervisionam o processo e mudam os parâmetros do sistema quando preciso. "Do jeito convencional, eu precisaria de uma equipe com o dobro de funcionários", diz Fábio Correia de Freitas, supervisor de compras da Cecrisa, fabricante catarinense de cerâmica.
Ao solucionar o problema, Marin encontrou uma vocação para a Outplan. A empresa se especializou em produzir softwares de compras online e passou a crescer 15% ao ano — em 2010, suas receitas foram de 1,5 milhão de reais. 
É bom que se diga que, uma vez encontrado o caminho das pedras — como aconteceu com Cris Barros, Camisotti, Ghetler e Marin —, a pior coisa a ser feita por um empreendedor é conformar-se com a qualidade alcançada.
"O mercado hoje em dia é muito dinâmico, e o que satisfaz o cliente hoje pode ser insuficiente para atendê-lo amanhã", diz Honório, do INDG. "É necessário um monitoramento permanente do nível de satisfação, senão a empresa pode ficar rapidamente para trás e perder espaço no mercado."

Está aí uma coisa que o engenheiro Osvaldo Lucho, de 45 anos, fundador da Gigalink, provedor de internet de Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, não quer. A empresa foi fundada em 2003. Na época, ele era dono de uma pequena revenda de computadores e prestava serviços como montagem de redes e manutenção de servidores.
Lucho cansou de ouvir seus clientes reclamando da falta de opções de acesso à internet de banda larga na região, formada por pequenos municípios. "As grandes companhias do setor não tinham muito interesse em atender esses lugares", diz. 

Ele então teve a ideia de montar uma empresa para vender acesso à internet em velocidades mais altas do que as conexões discadas disponíveis nesses locais — embora não tão velozes quanto as que já estavam disponíveis para os consumidores das grandes cidades. "Não era possível para uma empresa do tamanho da Gigalink ter escala suficiente para oferecer preço acessível para velocidades maiores", afirma Lucho.

A Gigalink começou vendendo acesso à internet com velocidade de 300 KB, cerca de seis vezes mais do que a internet discada. "Muitos de meus primeiros clientes precisavam apenas receber e enviar e-mails", diz Lucho. Conforme cresceu, a Gigalink, aos poucos, foi instalando conexões mais velozes.
Lucho conseguiu, então, negociar preços menores com os fornecedores — e começou a repassar a redução de custos aos clientes. Em média, a cada 18 meses os clientes da Gigalink recebem um e-mail informando que a velocidade no acesso aumentou e que eles não precisam pagar mais por causa disso. 
O carioca José Carlos de Paula é um dos assinantes que, de tempos em tempos, recebem um desses avisos. Desde que contratou os serviços da Gigalink, há seis anos, a velocidade da internet na sua casa já aumentou cinco vezes e hoje está em 1,5 MB. 

Os principais beneficiados são a filha, de 21 anos, e o filho, de 18. No começo, os dois acessavam a rede para ler e enviar e-mails e visitar um ou outro site. "Hoje em dia, eles assistem a vídeos, baixam músicas, participam de jogos online e entram em redes sociais, como o Twitter e o Facebook", diz Paula. "Estou vendo que não vai demorar muito para a banda larga atual ficar estreita de novo."

Fonte: Revista Exame

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