Nos últimos cinco anos, a intensidade da busca de
talentos ganhou um peso maior. Ao abordar os clientes, encontramos algumas
questões ainda não muito esclarecidas sobre o assunto, tais como: o que é um
talento? Podemos defini-lo, medi-lo, desenvolvê-lo?
O
que é um talento? Rapidamente nos lembramos de algumas teorias:
A teoria do dom natural: Se
falarmos em Beethoven, Picasso ou Da Vinci, por exemplo, podemos falar de dons
naturais. Mas, estas personalidades talvez nunca tivessem interesse em atuar em
uma empresa. A teoria do dom natural tenta explicar o talento, a liderança, por
exemplo. Mas, a liderança não é uma característica inata. Pessoas com efetivo
interesse por pessoas podem aprender a liderar. Dons naturais nem sempre são os
necessários para o sucesso numa organização. O que uma empresa precisa é de
qualidades humanas mais "comuns". Sem dúvida, certos traços são
distintivos. Mas uma empresa não precisa daquelas genialidades para resolver
seus problemas. É claro, se as tiver, muito melhor.
A teoria da inteligência: Temos
capacidades especiais explicadas por nossa habilidade lógica, abstração, etc.
As teorias da inteligência sofreram duros reveses no início dos anos 70 e 80. O
sucesso na vida prática não está mais associado ao "QI", mas com
atributos explicáveis por um conjunto de competências cognitivas, experienciais
e contextuais.
A teoria da formação acadêmica: Os
mesmos estudos da inteligência e os conceitos do Work Levels afirmam que não
existe qualquer relação entre sucesso acadêmico e uma vida prática bem
sucedida. Elliott Jaques (autor da Teoria dos Sistemas Estratificados) é
taxativo ao notar que a capacidade das pessoas para decidir, conduzir planos,
não se aprende nos bancos escolares.
A teoria da criatividade: Uma
capacidade de insight distintiva que faz com que tenhamos uma percepção nova
acerca de algo ou de um problema. A questão da criatividade é rebatida no
conceito Work Levels abaixo comentada. Toda pessoa é criativa, pois é uma
característica distintiva do ser humano produzir objetivos, enxergar ao longo
do tempo, sonhar soluções. A criatividade pode ser bloqueada, reprimida ou mal
utilizada, se não conseguirmos alocar pessoas de acordo com suas capacidades.
Mas ser criativo é uma condição humana. A questão é o que fazer para permitir
sua manifestação. Mas, em si, não distingue o nível do talento.
As teorias dos traços
da personalidade e dos tipos psicológicos
Diferentes estudos mostram que não
existe correlação alguma entre tipos psicológicos ou traços de personalidade
com talentos. Não se consegue estabelecer qualquer correlação entre estilos
(intuitivo, perceptivo, pensamento, sentimento) ou traços (dominante,
agressivo, sociável) e o sucesso em diferentes posições na organização.
A teoria da
competência: Os
conceitos de McClelland influenciaram o pensar das ciências humanas, quando
questionou a relação entre o QI e o sucesso na vida prática. Propôs um modelo
de identificação de competências. Este modelo nos auxilia a perceber o talento
para o sucesso imediato, performance imediata. Afinal, toda avaliação por
competências tem o foco nos comportamentos passados. Contudo, quando falamos de
talento precisamos também estimar o comportamento futuro, em que nível poderá
desempenhar.
Teoria do crescimento
da capacidade e níveis de complexidade no trabalho: Os
conceitos de Jaques sobre a organização natural do trabalho e o crescimento da
capacidade das pessoas, por ter sido pesquisada "on-the-job",
parece-nos oferecer as respostas mais adequadas para a questão que estamos
discutindo. Três conceitos merecem destaque.
Primeiro conceito - níveis de
complexidade no trabalho: Organização
é um fenômeno auto-organizado, uma expressão natural da necessidade humana de
lidar com a complexidade. Na busca de sobrevivência e crescimento, iremos nos
estruturar por padrões de trabalho mais e mais complexos que irão exigir
diferentes capacidades para o sucesso do empreendimento. O Work Levels define 7
níveis de complexidade. Cada nível exige diferentes talentos para compreender e
conduzir o trabalho.
Segundo conceito – trabalho:
O trabalho não é medido pelo esforço ou energia
despendidos, nem tem a ver com o output específico, ou a tarefa. Trabalho é a
"aplicação do conhecimento e o exercício do próprio discernimento e
julgamento, de modo a alcançar um objetivo dentro de um tempo de realização
definido". Jaques foca o conceito de trabalho "no que a pessoa
faz" e o diferencia do conceito de tarefa, "a quantidade de coisas a
serem produzidas". Em última análise, trabalhamos exatamente quando não
sabemos o que fazer. Aí sim o trabalho humano se torna distintivo. Isto por que:
O trabalho (e sua complexidade e
dificuldade) não está em percorrer caminhos conhecidos;
- O trabalho consiste em escolher caminhos ou construir novos ou
ainda adaptá-los quando se encontram dificuldades inesperadas;
- Obedecer a regras, normas e regulamentos conhecidos não é trabalho:
isto não constitui um problema; mas decidir a melhor maneira de obedecer,
ou não, em determinadas circunstâncias pode ser um problema, porque as
normas estabelecem limites.
Terceiro conceito - capacidade e seu
crescimento: Após
trinta anos de pesquisa, existem evidências suficientes para afirmar que nossa
capacidade para "enxergar" mais adiante e construir decisões cresce
ao longo do tempo. É possível compreender a capacidade atual das pessoas e
estimar seu crescimento ao longo do tempo, de modo a antever os níveis de
complexidade de trabalho futuro de alguém. Isto é fundamental para qualquer
atividade planejada de desenvolvimento e sucessão. Afeta o gerenciamento dos
talentos.
Os talentos são diferentes? Sim. Dentro
do modelo Work Levels, encontramos sete níveis de qualidade de talentos,
organizados em três campos de ação.
Gerenciamento Direto:
- Primeiro nível: o talento é exercido na relação direta com o output
do trabalho. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até três
meses.
- Segundo nível: o talento é exercido na busca de solução de
problemas complexos, considerando a situação. É o nível da melhoria
contínua. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até três
meses a 1 ano.
- Terceiro nível: o talento será exercido para modificar sistemas de
modo a atender os desejos futuros da organização. É o nível do
"best-practice". A capacidade é exigida para considerar
horizontes de até um a dois anos à frente.
Gerenciamento
Organizacional:
- Quarto nível: o talento será exercido no desenvolvimento
estratégico, na criação de modelos, em mudanças complexas que terão
impacto nos produtos, relações com mercado. É o nível da inovação. A
capacidade é exigida para considerar horizontes de até dois a cinco anos.
- Quinto nível: o talento é usado para "originar" algo
completamente novo - produto, ou a própria organização, bem como criar
novas estratégias que afetam o destino da organização. A responsabilidade
é por lucros e perdas totais. A capacidade é exigida para considerar horizontes
de até cinco a 10 anos à frente.
Gerenciamento
Corporativo.
- Os sexto e sétimos níveis de talentos serão empregados para a
gestão multinacional dos negócios. O talento é necessário para enxergar
mudanças e possibilidades no comportamento da sociedade mundial.
Como pensam e agem os fast-trackers, os high-flyers? Assumindo os
princípios do Work Levels, é necessário contextualizar o conceito
"talento" com a pergunta "talento para quê?" Se falamos em
"fast-trackers" talvez nos referimos a pessoas que rapidamente podem
evoluir em termos de responsabilidades. Os fast-trackers têm potencial de
crescimento mais rápido. Ao longo de nossa vida, nossa capacidade poderá se
transformar várias vezes. Alguém com 25 anos, com capacidade atual para
produzir decisões num nível III, tem potencial inerente para evoluir muito
rapidamente e poderá chegar a ocupar posições no quinto ou sexto níveis no
futuro. Precisamos é equipá-los com oportunidades de ter experiências e
aprendizagens para enriquecer sua capacidade. Pode-se medir? Sim. Diversos
procedimentos foram estruturados no Bioss - Londres, e pelo próprio Jaques.
Aquilo que definimos como trabalho, isto é, o exercício do julgamento e do
discernimento, aquilo que "fazemos quando não sabemos o que fazer",
são processos inerentes a cada organismo, a cada um. Como tal, não podem ser
treinados, já que envolvem processos conscientes e inconscientes de cada
pessoa. Jaques é claro neste sentido. "Existem duas categorias maiores na
atividade humana. Uma é a categoria da atividade proposital, expressada pelo
comportamento orientado para um objetivo. A segunda é a categoria do livre
fluir do "ensonho", "da imaginação", e que não tem um
objetivo imediato - é um processo que foge ao consciente".
Estas duas
atividades são essenciais para nossa sanidade mental. Temos metas, colocamos
objetivos ao longo do tempo, e isto é determinante para nossa sanidade, para
orientação. E, paradoxalmente, os processos pelos quais nossos discernimentos,
julgamentos e escolhas são feitos, são inconscientes. As decisões são as formas
observáveis de nossas escolhas.
Para medir a capacidade é necessário
compreender na pessoa o que Jaques denomina de "complexidade dos processos
cognitivos utilizados", para se ter um indicador de seu nível atual de
capacidade (potencial), e assim compreender em que nível de complexidade de
trabalho uma pessoa pode utilizar "seu talento". Se você discute um
tema controverso com uma pessoa - por exemplo, liberação total do uso de drogas
- você poderá observar os padrões de processamento mental delas. Algumas
pessoas poderão simplesmente fazer declarações do tipo "isto é certo, isto
é errado". Outros podem colocar paralelos históricos.
Outros, ainda, tipos
"fast-track", irão colocar duas ou três linhas de raciocínio e serão capazes
de intuir como uma multiplicidade de possíveis resultados poderão interagir uns
com os outros. Como conviver com eles - os talentos. Se as empresas querem os
"fast-trackers", então querem pessoas capazes de atuar pelo menos nos
níveis IV ou V, posições com impacto no gerenciamento organizacional. Estas
pessoas possuem capacidade de processamento mental "paralelo",
capacidade para articular múltiplos caminhos simultaneamente. Esta capacidade
não é treinável, mas se desdobrará no processo de amadurecimento de cada
organismo, e precisamos saber identificá-las. Muitas empresas querem os
fast-trackeres, mas poderão não saber conviver com eles. Primeiro, porque eles
saberão enxergar, rapidamente, mais longe do que muitos outros. Poderão ainda
não ter paciência de suportar certas condições de trabalho. Também poderão não
saber quais tarefas delegar a eles ou não ter a velocidade para aceitar as
mudanças propostas.
Muitos fast-trackers poderão ser vistos como
"sonhadores" demais e a cultura tradicional poderá rejeitá-los.
Outros poderão vê-los como agressivos e sem empatia, porque não terão paciência
com a lentidão das coisas. A capacidade, o talento das pessoas tem a ver com: o
que se é capaz de fazer para conduzir um trabalho e realizá-lo; a capacidade
para conduzir ou propor um plano; a capacidade para superar obstáculos à luz
das circunstâncias; a capacidade para lidar com a complexidade, a taxa de
mudança das variáveis, o número de interessados envolvidos, o grau de abstração
em relação ao ambiente (do concreto, visível até o imaginado, cogitado -
tendências, leis, políticas, concorrência, fatores econômicos, etc.) e aquilo
que se faz quando não se sabe o que fazer. Afinal, para que você quer um
talento?
Por Marcos Luiz Bruno
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