quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Afinal, o quê é um talento?

Nos últimos cinco anos, a intensidade da busca de talentos ganhou um peso maior. Ao abordar os clientes, encontramos algumas questões ainda não muito esclarecidas sobre o assunto, tais como: o que é um talento? Podemos defini-lo, medi-lo, desenvolvê-lo?

O que é um talento? Rapidamente nos lembramos de algumas teorias:

A teoria do dom natural: Se falarmos em Beethoven, Picasso ou Da Vinci, por exemplo, podemos falar de dons naturais. Mas, estas personalidades talvez nunca tivessem interesse em atuar em uma empresa. A teoria do dom natural tenta explicar o talento, a liderança, por exemplo. Mas, a liderança não é uma característica inata. Pessoas com efetivo interesse por pessoas podem aprender a liderar. Dons naturais nem sempre são os necessários para o sucesso numa organização. O que uma empresa precisa é de qualidades humanas mais "comuns". Sem dúvida, certos traços são distintivos. Mas uma empresa não precisa daquelas genialidades para resolver seus problemas. É claro, se as tiver, muito melhor.

A teoria da inteligência: Temos capacidades especiais explicadas por nossa habilidade lógica, abstração, etc. As teorias da inteligência sofreram duros reveses no início dos anos 70 e 80. O sucesso na vida prática não está mais associado ao "QI", mas com atributos explicáveis por um conjunto de competências cognitivas, experienciais e contextuais.

A teoria da formação acadêmica: Os mesmos estudos da inteligência e os conceitos do Work Levels afirmam que não existe qualquer relação entre sucesso acadêmico e uma vida prática bem sucedida. Elliott Jaques (autor da Teoria dos Sistemas Estratificados) é taxativo ao notar que a capacidade das pessoas para decidir, conduzir planos, não se aprende nos bancos escolares.

A teoria da criatividade: Uma capacidade de insight distintiva que faz com que tenhamos uma percepção nova acerca de algo ou de um problema. A questão da criatividade é rebatida no conceito Work Levels abaixo comentada. Toda pessoa é criativa, pois é uma característica distintiva do ser humano produzir objetivos, enxergar ao longo do tempo, sonhar soluções. A criatividade pode ser bloqueada, reprimida ou mal utilizada, se não conseguirmos alocar pessoas de acordo com suas capacidades. Mas ser criativo é uma condição humana. A questão é o que fazer para permitir sua manifestação. Mas, em si, não distingue o nível do talento.

As teorias dos traços da personalidade e dos tipos psicológicos

Diferentes estudos mostram que não existe correlação alguma entre tipos psicológicos ou traços de personalidade com talentos. Não se consegue estabelecer qualquer correlação entre estilos (intuitivo, perceptivo, pensamento, sentimento) ou traços (dominante, agressivo, sociável) e o sucesso em diferentes posições na organização.

A teoria da competência:  Os conceitos de McClelland influenciaram o pensar das ciências humanas, quando questionou a relação entre o QI e o sucesso na vida prática. Propôs um modelo de identificação de competências. Este modelo nos auxilia a perceber o talento para o sucesso imediato, performance imediata. Afinal, toda avaliação por competências tem o foco nos comportamentos passados. Contudo, quando falamos de talento precisamos também estimar o comportamento futuro, em que nível poderá desempenhar.

Teoria do crescimento da capacidade e níveis de complexidade no trabalho: Os conceitos de Jaques sobre a organização natural do trabalho e o crescimento da capacidade das pessoas, por ter sido pesquisada "on-the-job", parece-nos oferecer as respostas mais adequadas para a questão que estamos discutindo. Três conceitos merecem destaque.

Primeiro conceito - níveis de complexidade no trabalho:  Organização é um fenômeno auto-organizado, uma expressão natural da necessidade humana de lidar com a complexidade. Na busca de sobrevivência e crescimento, iremos nos estruturar por padrões de trabalho mais e mais complexos que irão exigir diferentes capacidades para o sucesso do empreendimento. O Work Levels define 7 níveis de complexidade. Cada nível exige diferentes talentos para compreender e conduzir o trabalho.

Segundo conceito – trabalho: O trabalho não é medido pelo esforço ou energia despendidos, nem tem a ver com o output específico, ou a tarefa. Trabalho é a "aplicação do conhecimento e o exercício do próprio discernimento e julgamento, de modo a alcançar um objetivo dentro de um tempo de realização definido". Jaques foca o conceito de trabalho "no que a pessoa faz" e o diferencia do conceito de tarefa, "a quantidade de coisas a serem produzidas". Em última análise, trabalhamos exatamente quando não sabemos o que fazer. Aí sim o trabalho humano se torna distintivo. Isto por que:

O trabalho (e sua complexidade e dificuldade) não está em percorrer caminhos conhecidos;
  • O trabalho consiste em escolher caminhos ou construir novos ou ainda adaptá-los quando se encontram dificuldades inesperadas;
  • Obedecer a regras, normas e regulamentos conhecidos não é trabalho: isto não constitui um problema; mas decidir a melhor maneira de obedecer, ou não, em determinadas circunstâncias pode ser um problema, porque as normas estabelecem limites.
Terceiro conceito - capacidade e seu crescimento:  Após trinta anos de pesquisa, existem evidências suficientes para afirmar que nossa capacidade para "enxergar" mais adiante e construir decisões cresce ao longo do tempo. É possível compreender a capacidade atual das pessoas e estimar seu crescimento ao longo do tempo, de modo a antever os níveis de complexidade de trabalho futuro de alguém. Isto é fundamental para qualquer atividade planejada de desenvolvimento e sucessão. Afeta o gerenciamento dos talentos.
Os talentos são diferentes? Sim. Dentro do modelo Work Levels, encontramos sete níveis de qualidade de talentos, organizados em três campos de ação.

Gerenciamento Direto:
  • Primeiro nível: o talento é exercido na relação direta com o output do trabalho. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até três meses.
  • Segundo nível: o talento é exercido na busca de solução de problemas complexos, considerando a situação. É o nível da melhoria contínua. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até três meses a 1 ano.
  • Terceiro nível: o talento será exercido para modificar sistemas de modo a atender os desejos futuros da organização. É o nível do "best-practice". A capacidade é exigida para considerar horizontes de até um a dois anos à frente.
Gerenciamento Organizacional:
  • Quarto nível: o talento será exercido no desenvolvimento estratégico, na criação de modelos, em mudanças complexas que terão impacto nos produtos, relações com mercado. É o nível da inovação. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até dois a cinco anos.
  • Quinto nível: o talento é usado para "originar" algo completamente novo - produto, ou a própria organização, bem como criar novas estratégias que afetam o destino da organização. A responsabilidade é por lucros e perdas totais. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até cinco a 10 anos à frente.
Gerenciamento Corporativo.
  • Os sexto e sétimos níveis de talentos serão empregados para a gestão multinacional dos negócios. O talento é necessário para enxergar mudanças e possibilidades no comportamento da sociedade mundial.
Como pensam e agem os fast-trackers, os high-flyers? Assumindo os princípios do Work Levels, é necessário contextualizar o conceito "talento" com a pergunta "talento para quê?" Se falamos em "fast-trackers" talvez nos referimos a pessoas que rapidamente podem evoluir em termos de responsabilidades. Os fast-trackers têm potencial de crescimento mais rápido. Ao longo de nossa vida, nossa capacidade poderá se transformar várias vezes. Alguém com 25 anos, com capacidade atual para produzir decisões num nível III, tem potencial inerente para evoluir muito rapidamente e poderá chegar a ocupar posições no quinto ou sexto níveis no futuro. Precisamos é equipá-los com oportunidades de ter experiências e aprendizagens para enriquecer sua capacidade. Pode-se medir? Sim. Diversos procedimentos foram estruturados no Bioss - Londres, e pelo próprio Jaques. Aquilo que definimos como trabalho, isto é, o exercício do julgamento e do discernimento, aquilo que "fazemos quando não sabemos o que fazer", são processos inerentes a cada organismo, a cada um. Como tal, não podem ser treinados, já que envolvem processos conscientes e inconscientes de cada pessoa. Jaques é claro neste sentido. "Existem duas categorias maiores na atividade humana. Uma é a categoria da atividade proposital, expressada pelo comportamento orientado para um objetivo. A segunda é a categoria do livre fluir do "ensonho", "da imaginação", e que não tem um objetivo imediato - é um processo que foge ao consciente". 

Estas duas atividades são essenciais para nossa sanidade mental. Temos metas, colocamos objetivos ao longo do tempo, e isto é determinante para nossa sanidade, para orientação. E, paradoxalmente, os processos pelos quais nossos discernimentos, julgamentos e escolhas são feitos, são inconscientes. As decisões são as formas observáveis de nossas escolhas. 

Para medir a capacidade é necessário compreender na pessoa o que Jaques denomina de "complexidade dos processos cognitivos utilizados", para se ter um indicador de seu nível atual de capacidade (potencial), e assim compreender em que nível de complexidade de trabalho uma pessoa pode utilizar "seu talento". Se você discute um tema controverso com uma pessoa - por exemplo, liberação total do uso de drogas - você poderá observar os padrões de processamento mental delas. Algumas pessoas poderão simplesmente fazer declarações do tipo "isto é certo, isto é errado". Outros podem colocar paralelos históricos.

Outros, ainda, tipos "fast-track", irão colocar duas ou três linhas de raciocínio e serão capazes de intuir como uma multiplicidade de possíveis resultados poderão interagir uns com os outros. Como conviver com eles - os talentos. Se as empresas querem os "fast-trackers", então querem pessoas capazes de atuar pelo menos nos níveis IV ou V, posições com impacto no gerenciamento organizacional. Estas pessoas possuem capacidade de processamento mental "paralelo", capacidade para articular múltiplos caminhos simultaneamente. Esta capacidade não é treinável, mas se desdobrará no processo de amadurecimento de cada organismo, e precisamos saber identificá-las. Muitas empresas querem os fast-trackeres, mas poderão não saber conviver com eles. Primeiro, porque eles saberão enxergar, rapidamente, mais longe do que muitos outros. Poderão ainda não ter paciência de suportar certas condições de trabalho. Também poderão não saber quais tarefas delegar a eles ou não ter a velocidade para aceitar as mudanças propostas. 

Muitos fast-trackers poderão ser vistos como "sonhadores" demais e a cultura tradicional poderá rejeitá-los. Outros poderão vê-los como agressivos e sem empatia, porque não terão paciência com a lentidão das coisas. A capacidade, o talento das pessoas tem a ver com: o que se é capaz de fazer para conduzir um trabalho e realizá-lo; a capacidade para conduzir ou propor um plano; a capacidade para superar obstáculos à luz das circunstâncias; a capacidade para lidar com a complexidade, a taxa de mudança das variáveis, o número de interessados envolvidos, o grau de abstração em relação ao ambiente (do concreto, visível até o imaginado, cogitado - tendências, leis, políticas, concorrência, fatores econômicos, etc.) e aquilo que se faz quando não se sabe o que fazer. Afinal, para que você quer um talento?

Por Marcos Luiz Bruno

Nenhum comentário:

Postar um comentário