O avanço do comércio eletrônico e a globalização são incontestáveis. Mas a utilização correta do espaço físico local se tornou ainda mais importante para o sucesso das empresas.
O avanço tecnológico e a globalização criaram nos últimos
anos uma geração de empresas “sem-teto”. Apesar de existirem em espaços
reais, pode-se dizer que varejistas virtuais, como Amazon e Submarino,
ou empresas como o próprio Google simplesmente não têm um lugar físico de atuação.
Essa tendência de tornar os negócios mais globais e menos palpáveis,
difundida em livros como o best-seller O Mundo É Plano, do jornalista
americano Thomas Friedman, ganhou um contraponto.
Para os especialistas em marketing John Quelch, da Inglaterra, e
Katherine Jocz, dos Estados Unidos, que acabam de lançar o livro All
Business Is Local — Why Place Matters More Than Ever in a Global,
Virtual World (“Todo negócio é local — por que o lugar importa mais do
que nunca em um mundo global e virtual”, numa tradução livre), um efeito
colateral da globalização foi devolver a importância do lugar de
atuação para a estratégia de uma companhia.
Segundo eles, o alto grau de internacionalização dos negócios
desequilibrou a balança dos quatro Ps do marketing: nem preço, nem
produto, nem promoção — hoje, o fator que mais importa é o lugar (place,
em inglês).
“O lugar físico define a maioria dos comportamentos de compra. O toque,
os sons, os cheiros e o ambiente social das compras feitas em locais de
tijolo e cimento são tremendamente importantes”, disse Quelch a EXAME.
Um exemplo de bom gerenciamento do lugar, segundo os autores, são as
lojas da Apple. A empresa inaugurou suas primeiras unidades nos anos
2000 e, apesar da inexperiência no varejo, deu tiros certeiros — e a
forma com que os espaços foram pensados contribuiu muito para o sucesso.
Ao olhar as primeiras plantas do que deveriam ser as lojas, os
executivos perceberam que o ambiente estava distribuído com base na
mesma divisão existente dentro da companhia — hardware de um lado e
software de outro —, e não pela maneira que facilitaria as compras dos
clientes.
O jeito foi gastar nove meses redesenhando as lojas para planejar
melhor a disposição dos itens. Foi assim que a empresa criou as chamadas
“zonas de soluções”, deixando lado a lado produtos relacionados, como
computador, câmera fotográfica e software de imagem. Dessa maneira,
também ficou mais fácil para os vendedores explicarem o funcionamento
integrado dos produtos.
Abrir as portas no lugar certo é outro fator fundamental para definir o
sucesso de um empreendimento. Um dos objetivos do fundador da Apple,
Steve Jobs, era usar as lojas para demonstrar aos usuários do rival
Windows quão superior um Mac poderia ser. Ele sabia, no entanto, que os
consumidores não iriam se deslocar voluntariamente para isso.
Era preciso estar, literalmente, no lugar certo. Em São Francisco, na
Califórnia, por exemplo, a empresa esperou quatro anos até conseguir se
instalar na esquina da Market Street, o centro financeiro da cidade. Em
Nova York, a loja-símbolo da Apple fica em uma das esquinas mais
movimentadas da também simbólica Quinta Avenida, em frente ao Central
Park.
Outras empresas, como o Walmart,
já comprovaram que até o lado da rua em que uma loja se encontra pode
afetar a estratégia comercial. “No caso da rede de supermercados de
bairro americana Fresh & Easy, a entrada para a maioria das lojas
era conveniente durante o tráfego matinal, mas inconveniente na hora da
volta para casa, quando os consumidores estão prontos para comprar algo
para o jantar”, diz Quelch.
Valorizacão dos sentidos
Por mais que atualmente as companhias desenvolvam suas estratégias
virtuais, os truques para atrair os clientes dificilmente superarão as
ferramentas sensoriais disponíveis em um lugar físico. Características
como a cor, o cheiro e a possibilidade de tocar nos produtos podem ser
um atalho na hora da venda.
A descrição perfeita dos efeitos que um lugar pode exercer nos
consumidores, segundo Quelch e Katherine, está na adoração que a
personagem principal do conto Breakfast at Tiffany’s, do jornalista
Truman Capote, demonstra pela joalheria Tiffany’s: “O que me faz muito
bem é simplesmente entrar num táxi e ir até a Tiffany’s. Nada de muito
ruim pode acontecer contigo lá, não com aqueles homens em seus belos
trajes e aquele adorável cheiro de prata”.
Criar um lugar que estimule os sentidos dos clientes foi o que fizeram
as grandes livrarias do Brasil e do mundo ao se transformarem em
megastores.
É possível ouvir música, assistir a palestras e passar horas folheando
livros e revistas sem pagar nada por isso. “É o conceito de lugar como
experimentação, onde o consumidor tem uma experiência de consumo”, diz
Thelma Rocha, coordenadora do programa de mestrado em gestão
internacional da ESPM.
A empresa de cosméticos Natura também
usou a estratégia da experimentação na sua expansão internacional. A
companhia abriu lojas físicas no México e na França em 2005 para
oferecer aos clientes a experiência de usar seus produtos, apesar de ser
uma empresa focada em venda direta.
No início do ano, a Natura inaugurou sua primeira loja de rua em São
Paulo, na sofisticada Oscar Freire, como forma de atingir um novo perfil
de consumidor.
No conceito defendido por Quelch e Katherine, o lugar vai além do
espaço físico. Para eles, as associações positivas ou negativas feitas
pelas pessoas com os locais onde nasceram, trabalharam ou celebraram
eventos especiais formam o chamado “lugar psicológico”, e as empresas
também precisam estar atentas a isso.
As lojas da rede Starbucks, por exemplo, podem ser completamente
diferentes umas das outras, dependendo do lugar em que estão. Uma
cafeteria em um shopping pode ter um serviço mais rápido, enquanto uma
loja em um bairro calmo tem um ambiente mais relaxante.
Ao conceber a rede, o americano Howard Schultz considerou essas
diferenças e abriu a possibilidade de adaptar o formato, o design e a
seleção do menu às necessidades de cada local. Sua intenção, dizem os
especialistas, não era chegar aos clientes por meio de 5 000 lojas, mas,
sim, captar o consumidor 5 000 vezes na mesma loja.
Ainda que defenda a relevância dos conceitos locais, principalmente do
espaço físico, na definição das estratégias de marketing, Quelch e
Katherine não decretam o fim da globalização. Muito pelo contrário. Os
pesquisadores afirmam que o equilíbrio no uso de estratégias globais e
locais costuma determinar o sucesso de uma empresa.
Virtudes globais, como ganhos de escala e fortalecimento das marcas,
devem ser usadas ao lado de estratégias locais, como a definição das
características de um produto e a comunicação da empresa. Quando o
global prevalece sobre o local, os riscos são grandes. A gigante
americana Procter & Gamble sentiu isso na pele.
Quando introduziu no Brasil sua marca de xampus Pantene, em 1993, a
empresa pecou tanto na comunicação quanto na fórmula do produto. A marca
foi recebida pelos consumidores como uma linha importada e praticamente
inacessível. Além disso, o xampu preservou a característica americana
de ser vendido com o agente condicionante incluído.
Para as consumidoras brasileiras, acostumadas a usar um condicionador
após o xampu, o Pantene era “muito pesado”. “Há cinco anos retiramos o
agente condicionante da fórmula e ‘abrasileiramos’ a campanha,
contratando Gisele Bündchen como garota-propaganda”, diz Gabriela Onofre, diretora de assuntos corporativos da P&G Brasil.
De lá para cá, a Pantene deixou de ser uma marca desconhecida, que
tinha apenas 0,3% das vendas do mercado, para ocupar a vice-liderança do
setor de xampus no Brasil, com uma participação de 9%.
A internet, um fator determinante para derrubar fronteiras que separam
os mercados, é um exemplo de ferramenta global que pode ser utilizada a
favor das estratégias locais.
Com o uso da geolocalização nas redes sociais, as empresas passaram a
criar promoções específicas para um grupo de clientes de um local
determinado. Uma prova de que, juntas, estratégias globais e locais
conduzem empresas a um só lugar: aquele onde está o consumidor.
A vez do lugar
Elementos como localização geográfica, arquitetura e decoração de ambientes ganharam relevância nas estratégias de marketing, mas é importante equilibrar vantagens globais e locais para atingir os resultados.
1- Ponto de Venda
Dar preferência a locais com grande afluência de consumidores e usar essa movimentação a seu favor, escolhendo, por exemplo, o lado da calçada pelo qual as pessoas voltam do trabalho.
2- Abordagem
Experiências sensoriais, como cor, luz, cheiro e tato, atraem os consumidores.
3- Organização
A disposição dos produtos deve ser baseada na forma de compra dos clientes e não na maneira como a companhia os classifica internamente.
4- Referências
A relação psicológica que os clientes tem com determinada região pode aproximar ou afastar um público-alvo.
5- Distribuição
A logística entre fábrica, centros de distribuição e lojas começa a ter importância para os clientes por questões ambientais.
Seja Global
Marca - Aproveitar a presença mundial para tornar-se um nome de referência em seu setor em todos os lugares.
Escala - Explorar os ganhos de eficiência gerados pela produção e distribuição abrangentes.
Gestão - Dar autonomia às operações locais sem perder o poder de decisão central sobre os rumos dos produtos e serviços.
Seja Local
Comunicação - Aproximar a comunicação da realidade de cada mercado para gerar identificação.
Produto - Adaptar as características do produto ou serviço às necessidades regionais.
Atendimento - Estar perto do cliente em todas as etapas do consumo, incluindo o suporte pós-venda.
Fonte: Exame
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